Investing Talks
Nome: Ricardo Guimarães
Nota Biográfica:
Comecei a minha carreira na banca no Deutsch Bank, em 1995, como estafeta. Saí passado 12 anos, deixando a função de Partnership Banking Coordinator, para criar o meu próprio negócio em finanças pessoais. Em 2014, fundei o Doutor Finanças, uma fintech na área do bem-estar financeiro para ajudar as pessoas a tomar melhores decisões financeiras.
Sou pós-graduado em gestão e liderança pela AESE e aprimorei os meus conhecimentos em liderança na Nova School of Business and Economics.
Comecemos a nossa conversa por conhecer um pouco melhor a história e o percurso do Ricardo Guimarães: infância, juventude, primeiros passos da carreira profissional, primeiros sonhos…
Nasci no Porto e foi nesta cidade que frequentei o curso de economia da FEP, no início da década de 90. Foi também no Porto que tive a minha primeira experiência profissional, no INE. Estive envolvido num projeto de desenvolvimento de um novo sistema de estatística do mercado residencial. Experiência que, como se pode ver, marcou-me para toda a vida, pois trabalhei com pessoas muito competentes e qualificadas. Ainda, ao dia de hoje, o INE continua a produzir informação resultante deste projeto do qual fui responsável operacional.
Como nasceu a Revista Confidencial Imobiliário?
A Revista Confidencial Imobiliário nasceu em 1988, altura em que o mercado era muito diferente da realidade atual. Nasceu pela mão de um Comandante da Marinha reformado que veio trabalhar para o mercado imobiliário e que sentiu a falta de “indicadores de navegação”. Começou, assim, a fazer levantamento de dados junto a imobiliárias para ter estatística de valores de mercado.
Foi um visionário, no sentido de perceber que era importante para o mercado “navegar” num ambiente de transparência e troca de informação. A senda da revista é a promoção da transparência do profissionalmente e da confiança no mercado que assente em informação. Na altura foi lançado o índice de preços da habitação, sendo o índice de preços mais antigos na Europa com mais de 30 anos de dados, sendo mesmo uma referência internacional, citada pelo Banco Central Europeu e Bank for International Settlements.
Foi com o meu sócio António Gil Machado, que produz a revista Vida Imobiliária, que decidimos comprar a revista Confidencial Imobiliário com o objetivo de dar continuidade à produção estatística que era feita e aprofundar com novos sistemas de informação que temos vindo a lançar com destaque para o SIR.
"Os nossos sistemas de informação dependem dos nossos próprios clientes"
Como descreveria a missão da Confidencial Imobiliário como empresa de análise de mercado e qual a visão da empresa para os próximos anos?
O Confidencial Imobiliário tornou-se uma referência para os operadores do mercado imobiliário. Temos tido a sorte e a capacidade de construir um sistema de informação robusto, mas que acima de tudo se estrutura a partir da confiança que os operadores têm na nossa atividade, pois trabalhamos com dados de transações efetivas que nos é enviada pelas empresas.
A nossa visão para o futuro é que o mercado tem de ser mais profissional, pois o que se procura é ter dados mais robustos a uma escala micro que potencia uma tomada de decisão, mas informada. A nossa visão é que a inteligência artificial deve estar ao serviço doa operadores e não deve ser concorrente à atividade dos operadores. O objetivo é conciliar a evolução tecnológica com a gestão por cada operador e não depender de ferramentas que tratem esses dados.
Como é que a revista Confidencial Imobiliário recolhe e analisa os dados para fornecer informações precisas sobre o mercado imobiliário?
Como supracitado, propomos a empresas de mediação imobiliária, promotores, bancos, etc. que para terem acesso à informação sobre as transações, estes devem alimentar essa mesma base de dados com informação da sua própria atividade. O SIR é um sistema em circuito fechado, só acede quem participa. É um sistema que assenta na confiança dos operadores na Confidencial Imobiliário, potenciando um sistema estatístico sobre transações efetivas no mercado e não em valores que estão nos portais baseados em valores de expectativas de cada negócio.
Quais são as principais tendências que observa atualmente no mercado imobiliário português? É de esperar a manutenção do aumento dos preços que temos observado nos últimos anos? Ou no seu entendimento haverá um achatamento da curta?
O mercado residencial trabalhava muito em desconto. Teve uma alteração no lado da oferta, como, por exemplo, na reabilitação dos centros das cidades, localizações premium. E no lado da procura houve uma grande alteração com a abertura a mercados internacionais. Houve uma revolução completa no mercado imobiliário nos últimos 10 anos.
Nesta altura o mercado está mais maduro e a margem de valorização é mais reduzida ainda assim, comparativamente com outros países ainda conseguimos ser dos mais baratos. A requalificação do território ajudou ao aumento dos preços. É natural que neste contexto de inflação e juros altos, o que possa vir a acontecer é uma suavização do ritmo de crescimento de preços.
Quais são os principais desafios que a Confidencial Imobiliário enfrenta no setor das publicações especializadas? Num mundo cada vez mais de fast food, ainda há espaço para análises aprofundadas?
A Confidencial Imobiliário era um operador isolado no contexto de produção de inteligence no sector. Hoje há mais fontes no mercado e isso é bom, pois contribui para o robustecimento de uma cultura de acesso a dados no mercado. É importante também trabalhar bem os dados para que sejam úteis para o sector e não tentar encontrar “notícias” para a imprensa. O que é notícia normalmente é o anómalo, mas o normal, como é evidente, não é.
Temos uma vocação de servir os profissionais do mercado e achamos que é um caminho correto, pois são aqueles que podem fazer uma mediação mais rica utilizando a informação de uma forma profissional e útil.
A Confidencial Imobiliário trabalha os dados de outros países para além de Portugal? Se sim, como é que observam as particularidades de cada mercado? As métricas nacionais encontram eco nas dos países europeus? Existe algum país que possamos considerar como espelho do nosso?
A Confidencial Imobiliário não trabalha dados de outros países. O nosso capital principal é a confiança e esta é um ativo muito difícil de construir. Obrigado a uma proximidade com os operadores. Seria difícil instalar o nosso procedimento de recolha de dados dos operadores noutros países.
Há países com informação pública mais detalhada e rica do que em Portugal e a dificuldade em Portugal em obter esta informação resulta numa oportunidade. Temos clientes internacionais que nos dizem que os dados por nós disponibilizados em Portugal são melhores do que nos seus países de origem. Sendo uma operação privada obriga-nos a melhorar e a desenvolver a nossa ferramenta em comparação com entidades públicas.
Quais são as suas expectativas e previsões para o mercado imobiliário em Portugal nos próximos anos? É de esperar um abrandamento da procura por imóveis para investimento ou não vê dessa forma? E quanto ao mercado de arrendamento? Parece-lhe que o pacote Mais Habitação recentemente aprovado na AR trará resultados a curto, médio e longo prazo?
O pacote Mais Habitação vem tentar dar resposta ao sentimento coletivo de dificuldade do acesso à habitação. É verdade que há uma crise na habitação, mas é muito assimétrica. Dois terços são proprietários e não têm crédito à habitação. Depois temos um terço que ou têm crédito ou estão no mercado de arrendamento e mesmo as famílias que têm crédito têm um endividamento médio de 63.000 euros. Isto é, precisamos caracterizar bem o cenário existente para desenhar as medidas, no meu entender é um dos principais problemas do Mais Habitação.
O sentido de urgência do Mais Habitação também cria um conflito entre proprietários e inquilinos, promovendo assim um ambiente inadequado para o mercado funcionar. Uma das consequências deste pacote é uma redução em cerca de 30% da oferta de imóveis no mercado de arrendamento e um aumento de também 30% das rendas. Até à data, na prática, o pacote Mais Habitação tem produzido menos habitação no mercado. Temos de analisar melhor cada medida e os seus impactos. Proponho que se analisem outros países e as políticas adotadas.
Qual o papel que a tecnologia tem desempenhado na evolução do trabalho da Confidencial Imobiliário? Quais os riscos que a Inteligência Artificial representa para publicações especializadas como a CI?
De facto, a IA estará cada vez mais presente nas nossas vidas. Temos de estar sujeitos aos benefícios e aos desafios que decorrem do aparecimento da IA. Temos de a utilizar para fortalecer as indústrias e o papel dos operadores no mercado. Na mediação imobiliária, a intelligence deve ajudar os operadores a conhecerem melhor as tendências globais e locais do mercado. Este, sendo muito assimétrico, ficará mais rico com a IA, mas a questão do conhecimento humano e experiência de cada operador não poderá ser deixada de parte. Há áreas em que a IA vai ter impacto, nas avaliações, por exemplo, mas haverá alturas, em mercados com muita liquidez e homogéneos, que precisará de menos intervenção humana, mas em mercado de nicho e assimétricos continuará a ser muito importante esta intervenção.
Quais são os principais indicadores de desempenho que a CI analisa para avaliar a saúde do mercado imobiliário?
Nós temos um sistema de informação que é o SIR, este acompanha os imóveis desde que entra no mercado, isto é, postos à venda até ao dia que são transacionados. Temos assim todo o ciclo do imóvel no mercado. Com isto, temo acesso a indicadores importantes como os níveis de preço, tempos de absorção dos imóveis pelo mercado, descontos praticados e chegamos também a um indicador que se chama GAP de mercado, que é a diferença entre o preço médio do imóvel que foi vendido com o preço médio do que está à venda. Conseguimos perceber a distância entre a procura efetiva e a oferta disponível. É possível também analisar outros indicadores tais como a percentagem de vendedores que estão a baixar preço analisando o stress no mercado. Há um painel de indicadores que nos permite ir monitorizando o sector.
Como é que a empresa trabalha para manter a confidencialidade e a segurança dos dados dos clientes e das informações do mercado?
A confidencialidade é uma premissa essencial no nosso trabalho. Se queremos construir um sistema assente em informação real de transações o tema da confidencialidade é sempre um importante pilar. Para além de anonimização dos dados também tomamos metodologias de sigilo estatístico. Trabalhamos dados à escala da rua, mas não entregamos estatísticas a esse nível. Para ultrapassar este tema, identificados os imóveis com os 7 dígitos do código postal sem identificação das partes. Estes limites, para nós, são sagrados.
Quais são os critérios que a CI considera ao selecionar os parceiros e fontes de dados para garantir a qualidade das análises?
Os nossos sistemas de informação dependem dos nossos próprios clientes. Temos representantes de grandes redes de mediação imobiliária, que nos fornecem um grande volume de dados, mas também temos clientes de nicho que nos fornecem dados muito importantes e detalhados. Também ouvimos os promotores imobiliários. Com este sistema temos dentro do SIR os players mais organizados e que melhor usam estes dados trabalhados, garantido sempre a qualidade dos mesmos.
Na sua opinião, qual é o valor agregado que a Confidencial Imobiliário oferece ao mercado imobiliário em comparação com outras empresas?
Temos conseguido assegurar sistemas de informação detalhados e muito finos em termos de output para suportar uma análise mercado à escala local, mas também temos tido a capacidade de dar um olhar macro e produzir um conjunto de análises que acompanham o mercado no ponto de vista de tendências, sentimentos de mercado, etc. Temos vindo a saber trabalhar tanto a informação como as tendências de uma forma que somos vistos como especialistas por todos os parceiros ajudando assim às decisões micro de todos.
Quais são os planos futuros da Confidencial Imobiliário para expandir os seus serviços ou explorar novas oportunidades no mercado?
Temos projetos de expansão dos nossos serviços para tentar cobrir mais segmentos de mercado relacionados com o real estate. Estamos sempre à procura em ir um pouco mais além. Temos condições para melhorar, inovar e responder cada vez melhor às necessidades de informação dos diferentes perfis de players do mercado imobiliário, é isso que nos move.
Quais são seus planos de longo prazo para sua carreira? Vê-se neste projeto editorial por largos anos? Considera este contexto de constante incerteza como um problema ou uma oportunidade?
Tenho tido a sorte em ter já uma carreira muito longa enquanto diretor e sócio do Confidencial Imobiliário, mas como estamos sempre em constante reinvenção e melhoria, sinto que, mesmo estando na mesma posição, estou sempre a fazer coisas diferentes. Ao fim destes 16 anos na Confidencial Imobiliário estou com uma forte motivação em todos os projetos que temos vindo a lançar, uns com sucesso e outros com insucesso, mas faz parte.
Qual foi o projeto mais desafiador em que já trabalhou e porquê? Quer partilhar algum aspeto específico desse desafio?
Os desafios que temos superado é a conquista da confiança. Em concreto, destaco o sistema de informação que lançámos com os bancos em plena crise financeira. Este sistema de informação acompanha os imóveis detidos pelos bancos e que estão à venda resultantes de processos de malparado. Parecendo ser um projeto ambicioso de alcançar, no fim do dia foi possível colocar os bancos a partilhar informação através de nós. É um exemplo de que temos de manter a resiliência e resistir até se alcançarem os resultados esperados.
Quer deixar alguma pergunta aos stakeholders do sector imobiliário e a todos os leitores da “Investing Talks da Invest 351?
A grande mensagem que o mercado necessita como um todo é de responsabilidade e de ser crítico. Que o sucesso do mercado seja sempre o coletivo e fator de promoção da coesão. O Confidencial Imobiliário tem vindo a tomar medidas que ajudam a interpretar e delinear estratégias de coesão do mercado junto das entidades públicas.
O mercado tem capacidade de ajudar a responder a necessidades de todos os quadrantes, tanto para quem tem maior capacidade de poder de compra como para outros segmentos de procura com menos poder de compra e para os jovens que são críticos para o equilíbrio social.